A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) estipulou a quantia de 130 delegados dos dez estados que abrange para incidir na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), a ser realizada em novembro, em Belém-PA. Os critérios para a seleção dos delegados foram determinados no segundo dia da 3ª etapa do Ciclo COParente, que ocorreu em Recife-PE, na terça-feira (20/05), com organização do Ministério dos Povos Indígenas.
As indicações da APOINME serão apresentadas até 20 de julho. A divisão de representantes indígenas foi fixada da seguinte maneira: 25 para a Bahia; 20 para Pernambuco; 20 para o Ceará; 15 para a Paraíba; 10 para Alagoas; 5 para o Piauí; 5 para o Rio Grande do Norte; 5 para o Sergipe; 10 para o Espírito Santo e 15 para Minas Gerais.
O evento contou com a participação da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara; da secretária nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, Ceiça Pitaguary; do assessor do Gabinete da Ministra dos Povos Indígenas, João Urt; do chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade (ASPAD), Jecinaldo Sateré; e do coordenador-geral de Assuntos Parlamentares, Victor Nunes.
A equipe do MPI se dedicou a explicar e sanar dúvidas sobre como funciona a Conferência, quais os temas a serem debatidos e o que é necessário para que os indígenas indicados pela APOINME participem do evento. Uma vez encerrada as explicações por parte do governo federal, as lideranças, caciques e representantes indígenas locais promoveram uma assembleia interna para dar encaminhamentos sobre a escolha dos que estarão na COP 30.
“É muito importante o apoio do movimento indígena para incluir a negociação de uma NDC brasileira que insira o tema da demarcação de território como ferramenta de mitigação das mudanças climáticas”, defendeu João Urt. A NDC (Nationally Determined Contribution ou Contribuição Nacionalmente Determinada) é um plano de ação climática de cada país de cada país para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Há uma década, desde o Acordo de Paris, 195 nações submetem NDCs à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC).
Apagamento de biomas
De acordo com o diretor executivo da APOINME, Dinaman Tuxá, tanto a organização que representa quanto o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) têm o desafio de desenvolver portfólios e de cavar espaços institucionais para contornar o apagamento dos demais biomas brasileiros no tocante à pauta climática.
Durante sua fala, o diretor relatou que participou de três COPs, mas em nenhuma delas presenciou um debate sobre o Cerrado, a Caatinga ou outros biomas que não fosse o amazônico. “Temos que aproveitar a estrutura que apoia a Amazônia para dividir os fundos internacionais de financiamento entre outros biomas, mas precisamos disponibilizar levantamentos e dados para um debate técnico de alto nível para isso”, afirmou Dinaman.
O diretor mencionou ainda que na ECO 92, realizada no Rio de Janeiro, os indígenas presentes já alertavam sobre o efeito das mudanças climáticas nos territórios, mas muitos negaram a possibilidade de colapso ambiental. Em 2021, na COP 26, realizada em Glasgow, na Escócia, o cenário se inverteu e os cientistas aram não só a reconhecer os apontamentos referentes à ação humana na natureza como anunciaram o compromisso de financiamento direto aos povos indígenas no valor de U$ 1,7 bilhão.
“O dinheiro não chegou como era esperado, mas o mundo está olhando para os territórios indígenas e as iniciativas que realizamos neles como exemplo de conservação. Nosso papel é encontrar uma forma de os recursos serem aportados em nossos territórios como resultado das negociações da COP 30”, disse.
Luísa Tuxá, advogada do departamento jurídico da APOINME, esteve na COP da Biodiversidade, realizada em 2024 na Colômbia, e ou por um processo contínuo de formação antes de participar do evento. Ela sugeriu o mesmo processo, feito com apoio do MPI, para os delegados a serem definidos em cada estado para que cheguem ao evento preparados com mensagens contundentes, visando mudar o cenário de negligência dos fundos internacionais em relação à Mata Atlântica, Caatinga e o Cerrado.
“É um desafio fazer um recorte das nossas características de base, envolvendo os 10 estados em duas regiões do país distribuídas em quatro biomas. Para acompanhar a zona azul, onde ocorrem as negociações na COP, e entender o que está ocorrendo é preciso conhecimento profundo das pautas a serem debatidas e as oficinas colaboram com isso”, defendeu.
Caatinga foi o bioma com maior desmatamento em 2024
Dados do MapBiomas publicados em maio mostram que o Cerrado é o bioma com maior área desmatada no país (652,197 ha). A região do Matopiba – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – concentrou 75% do desmatamento do Cerrado. A Amazônia ficou em segundo lugar como o bioma mais desmatado, com 30,4%.
No ano ado, a maioria dos estados amazônicos apresentou queda na área desmatada, com exceção do Acre, que registrou aumento de 30%. Apesar disso, a região conhecida como Amacro – Amazonas, Acre e Rondônia – registrou queda na área desmatada pelo segundo ano consecutivo. Em 2024 houve uma redução de 13% no desmatamento, quando comparado a 2023.
A Caatinga vem em terceiro lugar, com 14% de área (174.511 hectares) desmatada. “Pela primeira vez desde o início do MapBiomas Alerta, em 2019, o maior desmatamento no Brasil ocorreu no bioma Caatinga. Ele também representa o maior alerta já publicado pela iniciativa MapBiomas. Foram desmatados 13.628 hectares em um único imóvel rural no estado do Piauí, dentro de uma janela temporal de três meses, o equivalente a seis hectares por hora”, descreve o relatório.
Levantamento da APOINME
Um levantamento realizado pela APOINME elencou as principais fontes de agravamento das condições em termos sociais e ambientais para os territórios indígenas. A instalação de hidrelétricas afetou cerca de 150 mil pessoas, que foram deslocadas pelas barragens no Rio São Francisco. Além disso, o o à agricultura irrigável e aos rios para banho e pesca, bem como a inundação de territórios sagrados e o uso de agrotóxicos impactou a vida dos povos indígenas. A área de abrangência da APOINME registra a presença de 136 hidrelétricas, com previsão de instalação de mais 118.
A produção de energia eólica também afeta a vida dos indígenas e provoca a privatização de territórios, desmatamento, prejuízo na agricultura e criação de animais e aumento de violência e exploração sexual com a vinda de trabalhadores sazonais. Os estados da Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí são os mais atingidos com centenas de plantas eólicas em funcionamento.
Já as Terras Indígenas (TIs) que podem ser prejudicadas por empreendimentos de petróleo e gás são 88, sendo 65 costeiras e 19 interioranas. A maioria das prejudicadas, 47, seriam por empreendimentos marítimos e 12 por gasodutos. As demais, por poços de petróleo ou a combinação de três fatores. Do montante citado, apenas 19 TIs estão homologadas, 21 estão em alguma fase de demarcação e 44 seguem sem qualquer providência no processo de delimitação.
Em relação ao licenciamento ambiental, 102 empreendimentos marítimos estão em desenvolvimento, dos quais 60 estão licenciados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), porém 23 constam com licenças vencidas e em 42 deles não foi possível encontrar dados sobre o licenciamento ambiental.